Justiça suspende efeitos de resolução do CFM que proíbe abortos após 22ª semana em casos de estupro

Em sede liminar, a 8ª Vara Federal de Porto Alegre suspendeu os efeitos da Resolução 2.378/2024, do Conselho Federal de Medicina – CFM, que proibia o procedimento de interrupção da gravidez após a 22ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro. Cabe recurso.

Na ação, o Ministério Público Federal – MPF, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Bioetica – SBB e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes, argumentou que a norma representa uma barreira à integralidade de cuidados à saúde, e restringe “o direito fundamental de mulheres e meninas vítimas de estupro, cuja gravidez, fruto da violência, compromete sua saúde física e/ou psíquica”.

Ainda conforme os autores, a resolução excederia o poder regulamentar do CFM, indo além dos poderes legais do Conselho, ou seja, que as normas da autarquia ultrapassam suas atribuições legais, ao restringir o direito ao aborto legal previsto em lei.

Ao se manifestar, o Conselho Federal de Medicina defendeu que a ação civil pública não seria instrumento legal hábil para questionar a resolução, devendo ser buscado diretamente no Supremo Tribunal Federal – STF, via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF. Também informou que a mesma norma já é objeto de pedidos liminares no Supremo.

O CFM argumentou que o Código Penal não autoriza o aborto em si, mas apenas exclui a punibilidade nos casos previstos no art. 128 (salvar a vida da gestante ou gravidez resultante de estupro). De acordo com o Conselho, o regulamento questionado envolveria matéria predominantemente ética, e não técnica, e a assistolia, quando realizada após a 22ª semana de gestação, seria “procedimento manifestamente cruel e bárbaro por submeter o humano ali presente a grave sofrimento”.

Ao avaliar a questão, a juíza responsável pelo caso considerou que a via processual da ação civil pública seria inadequada se o pedido principal fosse a declaração de inconstitucionalidade da norma, em usurpação à competência do STF. A magistrada destacou, porém, que no caso dos autos “não se discute a constitucionalidade do ato normativo, mas a sua validade e legalidade”.

Segundo a juíza, o ajuizamento da ADPF 1141 no STF, contra a mesma resolução, não impede o andamento desta ACP, uma vez que “a análise do ato normativo será feita sob o aspecto da constitucionalidade da norma regulamentadora, enquanto o objeto da presente ação se limita à sua validade e legalidade”.

A magistrada destacou ainda que os “atos administrativos não podem restringir direitos previstos na lei de regência, tampouco criar proibição não prevista em lei, sob pena de invasão de competência legislativa e abuso do poder regulamentador”. Segundo ela, a lei atribuiu especificamente ao CFM a edição de normas para definir apenas o caráter experimental de procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando sua prática pelos médicos, mas não foi outorgada ao Conselho competência para criar restrição ao aborto em caso de estupro.

“Não havendo lei de natureza civil acerca do aborto, tampouco restrição na lei penal quanto ao tempo de gestação, não pode o CFM criar, por meio de resolução, proibição não prevista em lei, excedendo o seu poder regulamentar”, frisou.

Com base neste entendimento, foi deferido o pedido liminar para suspender os efeitos da Resolução 2.378/2024 do CFM. Isso significa que o texto não pode ser utilizado para obstar o procedimento de assistolia fetal em gestantes com idade gestacional acima de 22 semanas, nos casos de estupro, mediante o consentimento seu ou, quando incapaz, de seu representante legal; tampouco para punição disciplinar dos médicos que o realizarem, até ulterior deliberação.

A decisão tem caráter liminar e a abrangência da decisão é de âmbito nacional. O Ministro Relator da ADPF 1134 foi oficiado da decisão.

Fonte: IBDFAM