Suprema Corte dos Estados Unidos vai julgar leis que proíbem tratamento de afirmação de gênero
No próximo ano judicial (2024/2025), que começará em 2 de outubro, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgará a constitucionalidade de uma lei do estado do Tennessee que proíbe tratamentos de disforia de gênero — ou de afirmação de gênero — para pacientes trans menores de 18 anos. A decisão valerá para 25 estados republicanos que têm leis similares.
A lei proíbe especificamente a administração, pelos médicos, de bloqueadores de puberdade, bem como a terapia hormonal, com estrogênio e testosterona. Os médicos que violarem a lei estarão sujeitos a multas de US$ 25 mil, processo disciplinar para cancelar suas licenças para praticar Medicina e ações judiciais privadas.
No entanto, a lei abre exceções. Ela permite a hormonioterapia para pacientes cisgêneros (por exemplo, para aqueles cuja puberdade se iniciou cedo demais) e para pacientes transgêneros que já faziam o tratamento antes de 31 de março de 2024.
De acordo com o Legal Information Institute, a Equal Protection Clause se refere à ideia de que os governos não podem negar a determinadas pessoas os direitos que concede a outras em condições e circunstâncias similares. O governo federal e os estaduais devem governar com imparcialidade.
A cláusula do devido processo da 5ª Emenda da Constituição requer que o governo dos Estados Unidos garanta a igualdade perante a lei a todos os cidadãos. A Equal Protection Clause da 14ª Emenda estabelece a mesma obrigação para os governos estaduais.
Níveis de escrutínio
Nesse ponto, o sistema judicial dos EUA usa três métodos complexos para examinar, caso a caso, a constitucionalidade de certas leis — especialmente em processos com acusações de discriminação: strict scrutiny (exame mais rigoroso da causa); intermediate scrutiny (exame intermediário); e rational basis scrutiny (exame menos rigoroso).
Para julgar esse processo, a corte terá de escolher entre strict scrutiny e rational basis scrutiny, os dois métodos que estão em discussão.
Strict scrutiny se refere ao fato de que as leis e ações do governo devem servir a um “interesse governamental inegável” e devem ser criadas estritamente para atingir esse interesse — ou esse objetivo — sem restringir desnecessariamente direitos fundamentais e sem “classificações suspeitas”, tais como as que envolvem raça, cor, sexo, religião etc.
Rational basis scrutiny se refere ao exame judicial de leis que se baseiam apenas na interpretação de que são constitucionais, desde que atendam, “de forma racional, a um interesse legítimo do governo”. Isto é, basta que tenham uma conexão razoável, com um propósito válido, mesmo que não sejam a melhor maneira de atingir um certo propósito.
Os juízes têm opiniões diferentes sobre essas teorias. Alguns conservadores, por exemplo, preferem seguir a decisão da Suprema Corte em Roe v. Wade, que revogou a legalização do aborto em todo o país. Nessa decisão, ficou estabelecido que os legislativos estaduais têm ampla autoridade para proibir procedimentos médicos que considerem prejudiciais, mesmo que esse entendimento contrarie o consenso da área médica.
De fato, a American Medical Association, a American Academy of Pediatrics e a World Professional Association for Transgender Health se opõem à restrição, pelos estados, de tratamentos de afirmação de gênero ou de disforia de gênero. Essas entidades declaram que tais tratamentos “reduzem dramaticamente as taxas de suicídio e tentativas de suicídio, bem como de depressão e ansiedade”.
Preocupação pública
O procurador-geral do Tennessee, Jonathan Skrmetti, sustenta que a lei estadual foi aprovada pelo Legislativo para atender ao interesse do estado em lidar com uma preocupação pública premente.
“O Tennessee, como outros estados, agiu para assegurar que os menores de idade não recebam esses tratamentos até que entendam completamente suas consequências permanentes ou até que a ciência seja desenvolvida até o ponto em que o estado tenha uma visão diferente de sua eficácia”, escreveu Skrmetti.
No julgamento em primeira instância, o juiz federal (conservador) Eli Richardson decidiu a favor dos transgêneros: “Os pais têm o direito fundamental de buscar tratamento médico para suas crianças e adolescentes. A proibição viola a garantia constitucional de tratamento igual para as pessoas em situações similares, porque a lei proíbe procedimentos médicos para adolescentes transgêneros e permite para outros adolescentes”.
No entanto, o Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região decidiu a favor do estado, por 2 votos a 1. O presidente da corte, e relator do voto vencedor, juiz Jeffrey Sutton, escreveu:
“É difícil para qualquer um ter certeza das consequências de longo prazo de abandonar os limites de idade para fazer um tratamento de afirmação de gênero. Os juízes devem ser humildes e cuidadosos quando pretendem aprovar um substitutivo de direitos constitucionais, que limitam a autoridade dos legisladores de resolver esses problemas médicos, sociais e de política”.
E pedem também que a corte respeite seus próprios precedentes. Em um deles, ela estabeleceu que qualquer lei que discrimine com base em sexo, significando o sexo de nascimento, é inválida, a não ser que o governo ofereça uma “justificativa extremamente persuasiva” para a aprovação da lei.
Em outra decisão (Bostock v. Clayton County), de 2020, uma maioria bipartidária de ministros decidiu que “é impossível discriminar uma pessoa por ser homossexual ou transgênero sem discriminar uma pessoa com base em sexo”.
Para a corte, se um empregador permite que Tom namore Lily, mas não permite que Anesha a namore, isso é discriminação com base em sexo, pura e simplesmente. Anesha é tratada diferentemente de Tom porque ela é mulher.
Fonte: Conjur