Divórcio Direto
Há muitos anos, quando iniciei meus estudos no Direito, tive um chefe no estágio que dizia: “não faz o menor sentido a lei obrigar as pessoas ficarem casadas; ora, se para se casarem elas apenas precisam expressar suas vontades, por que para se separarem elas precisam da autorização do Poder Judiciário?”
Basicamente, as irresignações eram de duas ordens: por que as pessoas podiam se casar no civil, mas precisavam ir ao Poder Judiciário para se separarem, e por que precisavam cumprir um período de separação de fato e um prazo mínimo para o seu requerimento?
Ora, não seria a vontade humana, ao lado do fato social, a formatadora do Direito?
Desde 2007, se consensual, e em determinadas situações, o divórcio pode ser realizado extrajudicialmente, sem passar pelo crivo do Poder Judiciário.
Posteriormente, a Emenda Constitucional 66 em 2010 colocou fim à discussão sobre atribuição de culpa pelo término do matrimônio e o cumprimento de qualquer requisito. Para se divorciar basta a vontade de não manter a relação conjugal, a mesma “vontade” que foi o motor da união, pouco importando sua motivação ou o cumprimento de qualquer requisito.
A partir de então o artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal autoriza o divórcio sem a necessidade de prévia separação de fato ou prazo mínimo para o seu requerimento, o que se conclui que é possível casar-se num dia e se separar, sem qualquer motivo, no minuto seguinte.
Pois bem, tudo isso não é mais novidade.
Por outro lado, o que talvez seja inusitado, mas não menos relevante, é a decretação judicial do divórcio sem a citação da parte contrária, como se decidiu em Santa Catarina sob o fundamento da exclusiva “vontade da parte”, refletindo um “direito potestativo” do cônjuge.
Evidentemente, questões como partilha de bens, guarda de filhos, alimentos, ficam reservadas a processos autônomos, mas o rompimento dos deveres de fidelidade e de mútua assistência é célere.
Não obstante, essa possibilidade evita o desgaste de um processo longo, com audiências indesejáveis e esperas ansiosas por um deslinde que não chega. Representa, igualmente, um alento para aquelas pessoas que encontram óbice no capricho do parceiro que insiste em manter a relação conjugal a qualquer custo, àquelas que estão apenas formalmente casadas “no papel”, mas cujo cônjuge há muito está “desaparecido” do mapa, sem notícia de seu paradeiro, dificultando sua citação.
Essa luz que se colocou sobre o divórcio ainda pode evitar a dilapidação do patrimônio do casal por um dos cônjuges durante um casamento mantido “de fachada” em meio a incontáveis atos de violência doméstica física, moral, sexual, psicológica e, inclusive, patrimonial, ocasiões em que, não raro, tudo que a pessoa deseja é “se livrar” do martírio da vida em comum e preservar o mínimo de dignidade.
Sem dúvida, a decisão de Santa Catarina prestigia a autonomia privada no campo do direito existencial, e, em última análise, agiliza e facilita a efetivação de um direito de liberdade.
Autora: RENATA MARIA SILVEIRA TOLEDO